VIII Fórum Internacional de Gerenciamento de Informações de Pesquisa de Mercado

28/09/2006 às 01:42

Ontem participei do VIII Fórum Internacional de Gerenciamento de Informações de Pesquisa de Mercado, evento elaborado pelo Comitê de Inteligência Competitiva e Pesquisa, organizado pela ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) e ocorrido no Centro Brasileiro Britânico (ACBB), em São Paulo/SP.

Para quem não conhece, a ABA é uma entidade que reúne as principais empresas anunciantes do país com a finalidade de "valorizar a comunicação como ativo competitivo de negócios e representar o anunciante brasileiro, defender seus interesses comuns e contribuir para a contínua evolução técnica das empresas e profissionais, desenvolvendo e recomendando as melhores práticas, inclusive comerciais, aplicáveis".

A primeira parte do evento contou com um painel sobre as técnicas de Etnografia aplicadas à Pesquisa de Mercado. Abrindo o debate Luciana Aguiar, Sócia-Diretora da Data Popular, fez uma crítica sobre o modismo que envolve o tema e explicou que, ao contrário do que muitos pensam, não é de hoje que a Antropologia estuda o consumidor. Segundo ela, desde a década de 80 essa ciência começou a direcionar seu foco de estudo para as relações de consumo. E mais, a técnica etnográfica é usada desde o século XIX, não sendo, portanto, uma onda efêmera.

Eu já fiz alguns posts sobre o uso da Antropologia como ferramenta de Marketing (veja aqui). E sabe por que esse tema é tão importante? Porque a perspectiva antropológica permite uma contextualização dos resultados econômicos. Os estudos pautam-se na dinâmica do consumo, verificando a troca existente entre "produto" e "consumidor", isso envolve status, identidade, auto-afirmação etc, ou seja, os símbolos do coletivo social.

As técnicas da Etnografia são: entrevista em profundidade, observação participante e mapeamento. Em todas elas o objetivo é analisar o consumo a partir da perspectiva do consumidor. Os estudiosos dessas técnicas partem do princípio que existem três variáveis para uma mesma ação: aquilo que os consumidores dizem que fazem, o que pensam que fazem e o que realmente fazem.

Uma pesquisa tradicional através de questionários estruturados ficará limitado ao que os consumidores "dizem que fazem". A técnica da Etnografia é diferente, ela permite criar uma significação para cada comportamento. A palestrante citou dois exemplos. O primeiro diz respeito ao gosto musical das classes mais baixas (leia-se Banda Calypso e afins). No segundo exemplo ela citou um sujeito que gasta R$ 2 mil em uma garrada de vinho. Em ambos os exemplos é muito difícil encontrar uma resposta lógica utilizando pesquisas tradicionais. Somente o método da Etnografia vai permitir mergulhar no universo dos consumidores da Banda Calypso e do vinho de 2 mil, analisando suas influências culturais, religiosas, familiares, étnicas e por aí vai.

O uso da técnica da Antropologia aplicada ao Marketing permite entender os mecanismos simbólicos que envolvem os produtos, extrapolar o discurso do consumidor, descobrir pontos de vista diferentes, listar modos de utilização possíveis para o produto e compôr a cadeia de relacionamento entre os consumidores. As possibilidades são infinitas.

Um bom exemplo do uso prático dessa técnica foi um estudo desenvolvido pela palestrante para uma grande empresa de venda frutas. Os resultados mostraram que expôr uma grande quantidade de frutas no local de venda passa uma idéia de fartura, logo o consumidor associa com preço baixo. Resultado: a empresa aumentou as vendas em 25%. Veja que tudo é uma questão de interpretação do signos, semiótica (veja meu post sobre esse assunto).

Diva Oliveira, Diretora de Pesquisa de Mercado da Recherche, foi a segunda palestrante desse painel. Ela reforçou os conceitos já apresentados e disse que que existe muita confusão semântica entre Antropologia, Etnologia e Etnografia. Para evitar essa dúvida a palestrante disse que basta lembrar que Etnografia é o trabalho do antropólogo. Numa escala hierarquia estariam: Antropologia Cultural, Etnologia (análise) e Etnografia (observação).

A terceira e última palestrante foi Aurora Yasuda, Diretora de Operações de Pesquisa da Millward Brown. Ela falou sobre os 10 mandamentos da pesquisa etnográfica, dentre eles: seja essencialmente um observador, respeite as regras do ambiente da observação, seja objetivo e "ingênuo" e respeite o consumidor de forma incondicional.

Ela ainda traçou os desafios da Etnografia, os mais importantes são: responder às demandas de forma rápida, criativa, útil (e barata, se possível), lidar com dados e fontes distintas, priorizar a visão holística do consumidor e manter o alto padrão e pioneirismo dos profissionais brasileiros.

No final das palestras, tentei fazer uma pergunta, mas fui cortado pelo mestre de cerimônia. E olha que o evento é um fórum. Fórum que ninguém pode falar não é fórum. Eu queria saber se a raça ainda é (se é que já foi um dia) um componente válido na análise antropológica. Digo isso porque nos Estados Unidos é bem marcante a diferença no comportamento dos consumidores negros e brancos, diferente do Brasil (até mesmo pela mistura das raças).

Pausa para o coffee-break. Aproveitei para conversar com a palestrante Luciana Aguiar. Ela explicou que existe sim o componente étnico no consumo. Mas esse componente não é genético, ou seja, o consumidor não nasce predestinado a ter um certo tipo de comportamento de consumo. Quando um consumidor opta por um produto, ele o faz por uma identificação racional (ou emocional) com a marca.

Logo depois do coffee-break foi a vez da apresentação sobre as vantagens do método da Pesquisa Sensorial. Apesar de muitíssimo interessante, achei um pouco massante. A primeira exposição foi feita por Rita Dudziak, Gerente de Pesquisa da Unilever. A moça tem uma grande bagagem de campanhas publicitárias premiadas, como Omo e Dove. Ela definiu a Pesquisa Sensorial em um tripé, formado pela intimidade (empatia), sensualidade (não no sentido sexual, calma, falo dos sentidos) e o mistério.

Ela mostrou com bastante propriedade a importância dos nossos sentidos para o desenvolvimento de estratégias de Marketing. Em um dos exemplos ela falou sobre uma técnica usada pelos corretores de imóveis dos Estados Unidos. Os caras costumam servir cafezinho quentinho durante as negociações dentro da casa a ser vendida. Os potenciais compradores sentem-se (pelo cheirinho do café), como se já fossem donos da casa. Dizem que dá certo.

A segunda palestrante a falar sobre os estudos de Pesquisa Sensorial foi Dulce Perdigão, Sócia-Gerente da Test of the Future. Ela disse que o Marketing não é uma guerra de produtos e sim uma guerra de percepções. A palestrante aprofundou o debate mostrando as diversas técnicas usadas nesse tipo de pesquisa.

Pausa para almoço. A primeira palestra no período da tarde foi proferida por Guilherme Henrique Silva, Diretor de Mídia da Young & Rubican. O cara falou do perfil do consumidor brasileiro, mais do que isso, ele mostrou a dinâmica de trabalho da Y&R. Foi de cair o queixo, tamanha complexidade e organização. A Y&R é a agência de publicidade que tem o maior faturamento anual do Brasil, atualmente está sendo presidida por Roberto Justus (o apresentador de "O Aprendiz" da Rede Record).

Para selecionar as melhores mídias, a Y&R usa um software que cruza centenas de informações sobre o perfil dos usuários de cada veículo com as característica dos compradores de cada produto. Mas ele explicou que o fato do software apontar por onde a campanha deve caminhar, não anula a importância da expertise do profissional de publicidade. Exemplo: um anunciante deseja fazer o lançamento de um produto, que jornal usar? Folha de S.Paulo ou O Estado de S.Paulo? Ambos possuem a mesma tiragem e o mesmo valor de veiculação. Difícil dizer? Pois o software da Y&R responde essa pergunta em dois cliques.

Em seguida Raquel Siqueira, Diretora da Ipsos, fez uma volta ao mundo em 40 minutos. Sério! A missão dela era mostrar as metodologias de construção de tendências. O primeiro passo foi explicar as diferenças entre macrotendências (temas transversais), tendências e manifestações.

Macrotendências é a construção de cenários, conjuntura, contexto. Para exemplificar ela mostrou algumas capas de revista que abordam o medo crescente da população com a violência urbana. Tendência é um onda, um movimento. Ainda usando capas de revista, ela mostrou que cada vez mais as pessoas estão trocando casas por condomínios (em função da violência urbana). Tanto as macrotendências, quanto as tendências, tedem a ser contínuas. Já as manifestações são efêmeras, é a moda, a mania, uma "febre" qualquer.

Na construção das tendências ela falou que as nossas referências estão sob suspeita. Em qual país devemos nos espelhar? Estados Unidos? Mas e os escândalos contábeis, as guerras, o imperialismo? Outro ingrediente desse bolo é o desconhecido em evidência. Hoje o perigo está em todos os lugares (até no passageiro sentado ao seu lado), as potências econômicas agora são asiáticas, cresce a imigração, a natureza mostra sua força com tsunamis, furacões, terremotos. Com isso o mundo está mais acuado, complexo, superficial, carente de valores. Sem dúvida foi uma das melhores palestras do evento. A vontade era prolongar a apresentação por mais algumas horas, pena que não foi possível.

Na seqüência ocorreu uma palestras internacional, ministrada pela americana Jenniger James, Research Director of Roper Reports Worldwide GFK, apresentando os resultados do Estudo Roper Reports, sobre os valores da população dos principais países do mundo e, especificamente, os resultados do Brasil e América Latina. Merece destaque um comentário sobre a importância da fé para os brasileiros. É o povo que mais valoriza a fé entre os países pesquisados. No entanto os números mostram que esse valor está em queda, uma reflexo disso é abertura de lojas as domingos.

Para fechar o evento o americano Ivan Casas, Presidente da eCMetrics, proferiu a palestra "Challenges of Using Online Methodologies in Latin América". Ele apresentou sua teoria sobre a Web 2.0 (uma suposta evolução da internet que conhecemos hoje) e as pesquisas on-line. Ao contrário do que o americano pensava, tudo que ele disse o Brasil já realiza, inclusive com muitas empresas já desenvolvendo suas próprias ferramentas de pesquisas através da internet. Tive que sair correndo para não perder meu vôo, eita São Paulo maluca.

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